quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

A HISTÓRIA AVANÇA COM A LUTA E A LUTA AVANÇA COM A HISTÓRIA

A História avança com a luta e a luta avança com a História
21 de Dezembro de 2011 por Bruno Carvalho
No dia 1 de Janeiro entramos directamente em 1958. Nesse ano, os trabalhadores agrícolas portugueses encetavam uma luta histórica pela jornada de trabalho de oito horas. Também nesse ano, dezenas de milhares de portugueses abandonavam o país por motivos económicos. No poder, estavam os avós políticos dos que hoje nos governam.

A História avança com a luta e a luta avança com a História

Há quem diga que é ficção. Outros insistem que existiu. A verdade é que houve povos em que o jus primae noctis, como direito ou não, foi uma realidade. Os proprietários feudais aproveitavam-se do poder económico para abusar das mulheres e filhas dos servos que lhes trabalhavam as terras. Entretanto, séculos passaram e a História avançou. Mudaram as formas de produção, a burguesia substituiu a nobreza e a classe trabalhadora emancipou-se.

Ao longo dos séculos XIX e XX, a confrontação de classes agudizou-se e traduziu-se em importantes vitórias para milhões de explorados. A Comuna de Paris, a Revolução de Outubro, a tomada do poder na China e a vitória do povo cubano, em 1959, foram só alguns desses momentos. Foi tal o prestígio do papel da União Soviética na vitória sobre o nazi-fascismo que o mundo capitalista foi obrigado a recuar e a ceder importantes direitos à classe trabalhadora.


Portugal não foi alheio a essa dinâmica. Protagonistas da revolução mais profunda na Europa Ocidental desde a Comuna de Paris, os trabalhadores e o povo arrancaram conquistas históricas à burguesia e ao fascismo. Mas esse acontecimento não surgiu através de geração espontânea. A classe trabalhadora teve de aprender, ganhar experiência e desenvolver-se com a práxis. Percebeu a necessidade de se organizar e de como se organizar. O desenvolvimento de uma consciência socialista utópica para uma consciência socialista científica, e a posterior aplicação da teoria leninista, foi fundamental para a construção de um movimento operário robusto e consequente.

Durante 48 anos, a luta que se travou no campo e nas cidades não só fez avançar o modo de organização dos trabalhadores, e vice-versa, como também criou as condições para que Abril não fosse uma transição à espanhola. A luta pela jornada de trabalho de oito horas, já referida, por exemplo, foi levada a cabo, de forma mais incisiva, a partir de 1958. Em Maio de 1962, milhares de trabalhadores agrícolas recusaram estar mais do que oito horas no campo e no fim desse ano, apesar de não estar oficializado, o combate traduziu-se em vitória.

A importância da experiência histórica

Poucos jovens saberão que o que há hoje nem sempre foi assim. Há em todo o processo de formatação ideológica do capitalismo a necessidade de se apagar a memória história. Os manuais escolares não devem ilustrar aquilo que nos trouxe direitos e conquistas fundamentais. Também não devem ilustrar aquilo que há mais de 35 anos os vem destruindo. Sobretudo, valoriza-se a participação individual, a resignação e o colaboracionismo. Não é por acaso que os media dão mais força a modelos de luta que remetem para o que de embrionário e inconsequente havia no século XIX.

Depois da queda do socialismo no Leste Europeu, vive-se um importante recuo histórico. Enfraquecidas as organizações que antes haviam protagonizado o que de melhor aconteceu em todo o século XX, e mantendo-se a rejeição ao capitalismo, potencia-se a desorganização, o divisionismo, apaga-se a análise científica da realidade e criam-se teorias que dão mais valor à metáfora e ao folclore.

Se queremos que 1962 e 1974 se repitam, e sem lugar a mais derrotas, se queremos que a História não recue aos tempos do jus primae noctis, devemos tomar o exemplo daqueles que protagonizaram a histórica luta pelas oito horas e a revolução de Abril. Desconhecer a experiência do movimento operário, ao longo dos séculos, é dispensar ferramentas que nos evitam a repetição de erros. Face aos novos desafios, exigem-se novas reflexões e a adaptação da teoria às novas realidades. Mas também se exige rejeitar derrotas evitáveis.

A História não é uma constante de progresso e desenvolvimento. Depois de civilizações como a grega e a romana, ninguém diria que a Europa ia cair na longa noite da Idade Média. Como ninguém acredita ser possível recuar-se até ao século XIX. Mas a verdade é que a burguesia avançará tanto quanto os trabalhadores deixarem. Cabe a nós impedi-lo e organizar o contra-ataque.

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