quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Dar com uma mão e tirar com a outra ( João Magalhães Rodrigues)

Dar com uma mão e tirar com a outra

04/10/2012 | 01:29 | Dinheiro Vivo
O que choca nestas medidas é a aparente preocupação social em repor um subsídio aos funcionários públicos e pensionistas, quando se sabe de antemão que esse mesmo subsídio irá ser recapturado via aumento da carga fiscal. Trata-se de uma violação inaceitável da confiança ético-política entre o Estado e os cidadãos, que terá como efeito um incremento da fuga e evasão fiscal e mais economia paralela, precisamente o fenómeno que ainda pode e deve ser combatido. Quando a procura interna portuguesa representa cerca de dois terços do PIB, o aumento brutal de impostos que agora se propõe, combinado com as medidas acima elencadas, só gerará menos rendimento disponível, mais desemprego, e consequentemente menor receita fiscal. Pela sua enorme semelhança, é importante relembrar aqui o exemplo da Argentina. Lá como cá, o FMI impôs uma política de austeridade muito forte - cortes na despesa do Estado, aumento de impostos diretos e indiretos, privatizações, redução salarial e a imposição de uma taxa de câmbio fixa peso/dólar, que teve como resultados aquilo que já se esperava: queda da atividade económica, recessão, queda das receitas fiscais e aumento do défice do Estado e da dívida pública. Ou seja, aconteceu na Argentina aquilo que está a acontecer na Europa do Sul. Esmagados entre uma brutal austeridade e uma impossibilidade de desvalorização cambial, os argentinos foram-se afundando numa espiral depressiva.
Claramente a fórmula de querer ajustar pela receita não pode continuar, devendo antes concentrar-se o esforço de consolidação na redução estrutural da despesa. E aqui as baterias devem ser apontadas para um esforço político acrescido a nível europeu, através do repensar das bases em que assenta o euro, da implementação de uma verdadeira harmonização fiscal, e de procurar reestruturar a dívida portuguesa. De outro modo, e tal como na medicina ancestral, vamos continuar a sangrar o doente com o risco, como sucedia no passado, de morrer da cura.


Nota: finalmente começa-se a falar dos maus exemplos de intervenção em países como Argentina.

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